A história das prisões e dos sistemas de punições

Na História da humanidade sempre esteve presente os sistemas de punições, sendo que, ao longo desta foi se transformando, levou-se muitos tempo até chegar ao modelo atual que segue os princípios da privação de liberdade como modelo de punição coercitiva e regenerativa.

Idade Antiga
Na idade antiga um longo período da História que se estende aproximadamente do século VIII a.C., à queda do Império romano do ocidente no século V d.C; o chamado cárcere, compreendendo de que não havia um código de regulamento social efetivado, é marcado pelo chamado encarceramento, que apresentava como emprego o ato de aprisionar não como caráter da pena, e sim como garantia de manter o sujeito sob o domínio físico, para se exercer a punição.

Os locais que serviram como encarceramento para os suplícios eram desde calabouços, ruínas à torres de castelos.

Segundo Carvalho Filho (2002), a descrição que se tem daqueles locais revela sempre lugares insalubres, sem iluminação, sem condições de higiene e “inexpurgáveis”. As masmorras são exemplos destes modelos de cárcere infectos nos quais os presos adoeciam e podiam morrer antes mesmo de seu julgamento e condenação, isso porque, as prisões, quando de seu surgimento, se caracterizavam apenas como um acessório de um processo punitivo que se baseava no tormento físico.

Idade Média
A Idade Média período da história entre os anos de 476 a 1453, caracterizou-se pela economia feudal e a supremacia da Igreja Católica, mantendo ainda o cárcere apenas como local de custódia para conservar, aqueles que seriam submetidos a castigos corporais e à pena de morte, garantindo dessa forma, o cumprimento das punições.
Para encarcerar não havia necessidade da existência de um local específico. Assim sendo, não se defendia no período uma arquitetura penitenciária própria, mantendo ainda o cárcere como local de custódia para aqueles que seriam submetidos ao suplicio.

Segundo Carvalho Filho (2002) as punições no período medieval eram: a amputação dos braços, a degola, a forca, o suplício na fogueira, queimaduras a ferro em brasa, a roda e a guilhotina eram as formas de punição que causavam dor extrema e que proporcionavam espetáculos à população.

Ressalta-se que no contexto dos sistemas de punições adveio a influência pelo poder da Igreja Católica que a exemplo, ordenou as inquisições (também chamada de Santo Ofício, essa instituição era formada pelos tribunais da Igreja Católica que perseguiam, julgavam e puniam pessoas acusadas de se desviar de suas normas de conduta).

Neste mesmo período também, temos o surgimento de dois tipos de encarceramento: o cárcere do Estado e o cárcere eclesiástico. O primeiro com o papel de cárcere-custódia, utilizado no caso em que o individuo privado de liberdade assim estava à espera de sua punição. O segundo, era destinado aos clérigos rebeldes, que ficavam trancados nos mosteiros, para que, por meio de penitência, se arrependessem do mal e obtivessem a correção. Neste momento surge o termo “penitenciária,” que tem precedentes no Direito Penal Canônico, que é a fonte primária das prisões.

Idade Moderna e Contemporânea
A modernidade corresponde ao período da História iniciado a partir de 1453 e tem seu marco histórico na Revolução Francesa em 1789. É o período que as organizações sociais transitam do modelo de organização social Feudal para a constituição do Estado Moderno com o desenvolvimento dos modelos político, econômico e social organizado sob a lógica do Capitalismo.

A idade moderna é marcada a principio pela representação política da monarquia absoluta. A Monarquia neste cenário, passou a ser livremente comandada pela figura do monarca, detentor incondicional do poder político. Tal poder desconhecia quaisquer vínculos e limites e se caracterizava por impor uma barbárie repressiva, que afligia os súditos desprovidos de direitos.

Não havia sequer necessidade de se justificar a aspereza das punições aos indivíduos encarcerados, bem como as condutas puníveis. Fazê-lo seria o mesmo que questionar a própria soberania do rei.

A prisão como pena autônoma era desconhecida, mantendo ainda em parte deste período histórico, o cárcere como espaço para preservar o corpo do condenado até a aplicação do castigo.

No século XVIII ocorreram duas passagens significativas que influenciaram concomitantemente na História das prisões: o nascimento do iluminismo e as dificuldades econômicas que afetaram a população, o que culminou em mudanças para a pena privativa de liberdade.
Sobre a questão econômica, que marca as transformações sobre a substituição do martírio pela privação de liberdade está relacionada a miséria que predominava na época, com o aumento da pobreza, as pessoas passaram a cometer um número maior de delitos patrimoniais. Como a pena de morte e o suplicio não respondiam mais aos anseios da justiça e seu caráter de exemplaridade da pena falhava, o processo de domesticação do corpo já não atemorizava, surgindo então a pena privativa de liberdade, como uma grande invenção que demonstrava ser o meio mais eficaz de controle social.

Michel Foucault (1998) em "Vigiar e Punir descreve a nova consideração da época sobre pena-castigo:
Pode-se compreender o caráter de obviedade que a prisão-castigo muito cedo assumiu. Desde os primeiros anos do século XIX, ter-se-á ainda consciência de sua novidade; e entretanto ela surgiu tão ligada, e em profundidade, com o próprio funcionamento da sociedade, que relegou ao esquecimento todas as outras punições que os reformadores do século XVIII haviam imaginado (pag.70).”

Tal afirmativa de Focault refere-se a segunda metade do século XVIII com o nascimento do iluminismo. Tratava-se de um movimento intelectual, que defendia o uso da razão contra o antigo regime e pregava maior liberdade econômica e política.

Os pensadores iluministas tinham como ideal a extensão dos princípios do conhecimento crítico a todos os campos do mundo humano. Supunham poder contribuir para o progresso da humanidade e para a superação dos resíduos de tirania e superstição que atribuíam ao legado da Idade Média. A maior parte dos iluministas associavam o ideal de conhecimento crítico à tarefa do melhoramento do Estado e da sociedade.

No período iluminista ocorreu o marco inicial para uma mudança de mentalidade no que diz respeito à pena criminal. Surgiram na época, figuras que marcariam a história da humanização das penas, como: Cesare Beccaria, em sua obra intitulada “Dos Delitos e das Penas”, publicada em 1764 que combateu veemente a violência e o vexame das penas, pugnando pela atenuação, além de exigir o princípio da reserva legal e garantias processuais ao acusado.

Com a influência desses pensadores, com destaque especial para Beccaria, começou a ecoar a voz da indignação com relação às penas desumanas que estavam sendo aplicadas sob a falsa bandeira da legalidade.

Michel Foucault (1998) em Vigiar e Punir narra sobre o período:
O protesto contra os suplícios é encontrado em toda parte na Segunda metade do século XVIII: entre os filósofos e teóricos do direito; entre juristas, magistrados, parlamentares; e entre os legisladores das assembléias. É preciso punir de outro modo: eliminar essa confrontação física entre soberano e condenado; esse conflito frontal entre a vingança do príncipe e a cólera contida do povo, por intermédio do supliciado e do carrasco (pag. 63).”

A natureza e a finalidade destas instituições foram modificadas a partir do século XVIII quando então as prisões tornaram-se a essência do modelo punitivo, assumindo um caráter de estabelecimento público de privação de liberdade.

Como explica Carvalho Filho (2002) rigor, severidade, regulamentação, higiene e intransponibilidade do ponto de vista institucional e com uma dinâmica capaz de reprimir o delito e promover a reinserção social de quem os comete foram as prerrogativas que passaram a caracterizar as instituições penais a partir do século XVIII.

Carvalho Filho (2002) vincula o surgimento da pena de privação de liberdade ao surgimento do capitalismo, concomitante a um conjunto de situações que levaram ao aumento dos índices de pobreza em diversos países e o consequente aumento da criminalidade, a distúrbios religiosos, às guerras, às expedições militares, às devastações de países, à extensão dos núcleos urbanos, à crise das formas feudais e da economia agrícola, etc.

Particularidades históricas deram então o contorno para o atual modelo do sistema de privação de liberdade.

Segundo Focault (1998):
"Com as novas formas de acumulação de capital, de relações de produção e de estatuto jurídico da propriedade, todas as práticas populares que se classificavam, seja numa forma silenciosa, cotidiana, tolerada, seja uma forma violenta, na ilegalidade dos direitos, são desviadas à força para a ilegalidade dos bens... " a ilegalidade dos bens foi separada da ilegalidade dos direitos."(pag.74)..."O direito de punir deslocou-se da vingança do soberano à defesa da sociedade"...(pag.76)

Foi neste contexto que se transformou as prisões e os sistemas de punições para o que é na atualidade, por meio de um movimento que promoveu as mais significativas mudanças na concepção das penas privativas de liberdade, na criação e construção de prisões organizadas para a correção dos apenados.

A partir dessa nova concepção, a punição passou a constituir-se em um método e uma disciplina. Eliminou-se da prisão o seu caráter de humilhação moral e física do sujeito. A lei penal passou a se propor a uma função de prevenção do delito e da readaptação do criminoso.

Para Foucault (1998) a finalidade da prisão deixou de ser então o de causar dor física e o objeto da punição deixou de ser o corpo para atingir a alma do infrator. A prisão torna-se como pena privativa de liberdade e constitui em uma nova tática da arte de fazer sofrer.

O autor também em seus estudos volta-se para as prisões observada sobre o prisma no qual coloca que para o Estado torna-se mais favorável vigiar do que punir, pois, vigiar pessoas e mantê-las conscientes desse processo é uma maneira para que estas não desobedeçam a ordem, as leis e nem ameacem o sistema de “normalidade”.

A prisão passa a fundamentar-se teoricamente no que hoje é: privar o individuo de liberdade para que ele possa aprender através do isolamento, retirá-lo da família, e de outras relações socialmente significativas, para levá-lo a refletir sobre seu ato criminoso, tornando então o reflexo mais direto de sua punição.

Bibliografia:

BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. 11ªed. São Paulo: Hemus, 1998.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 24ªed. Rio de Janeiro: LUMEN JURIS, 2002.
CARVALHO, FL. A Prisão. Publifolha. São Paulo, 2002.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 5ªed. Petrópolis: Vozes, 1987.
GOFFMAN, E. Manicômios, prisões e conventos. 6ºed. São Paulo: Perspectiva, 2006.